Brasileiros se preparam para votar neste domingo

Os brasileiros vão às urnas no próximo domingo, 2 de outubro, para eleger um presidente, 27 dos 81 senadores, todos os 513 membros da Câmara dos Deputados e todos os 27 governadores e legislativos estaduais. Para as eleições presidenciais e governamentais, se nenhum candidato receber mais de 50% dos votos, o segundo turno ocorre em 30 de outubro.

No topo das cédulas dos eleitores está uma corrida presidencial que apresenta dois pesos-pesados ​​políticos: o atual presidente Jair Bolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). No ano passado, os dois se envolveram em uma campanha altamente polarizada e agressiva, cada um retratando o outro como uma ameaça existencial à democracia brasileira. As tensões estão aumentando no país, como evidenciado por casos de violência eleitoral entre torcedores e partidas gritantes entre substitutos de alto nível.

Quem vencer a eleição herdará um Brasil diante de uma situação econômica desafiadora. Uma combinação de gastos de estímulo durante a pandemia de Covid e choques econômicos da invasão da Ucrânia pela Rússia elevou a inflação e contribuiu para o aumento dos preços ao consumidor. Isso prejudicou os brasileiros de classe baixa e média que lutam para comprar comida e combustível. Ainda assim, o crescimento do PIB foi um pouco melhor do que o esperado, crescendo 1,2% no segundo trimestre de 2022, acima dos 0,9% previstos.

O voto é obrigatório no Brasil. Na votação do primeiro turno de 2018, o comparecimento foi próximo a 80%.

Veja explicação da AS/COA sobre os candidatos presidenciais e o cenário legislativo.

 

Jair Bolsonaro, Partido Liberal

Bolsonaro assumiu o cargo em janeiro de 2019, após passar 27 anos no Congresso como deputado pelo estado do Rio de Janeiro. Considerado de extrema direita, Bolsonaro centrou sua bem-sucedida campanha presidencial de 2018 em seu status de outsider, conservadorismo social, promessa de lei e ordem e sua cruzada contra o Partido dos Trabalhadores (PT), ao qual pertencem o então preso Lula e a presidente impeachment Dilma Rousseff. Uma coalizão de eleitores que incluía cristãos evangélicos, policiais e militares, empresários, proprietários rurais e a classe média levou o militar aposentado ao cargo. Bolsonaro também provavelmente se beneficiou de campanhas de desinformação espalhadas por redes sociais como o WhatsApp.

No cargo, Bolsonaro cortou impostos e tarifas, fortaleceu as leis militares e de posse de armas e enfraqueceu agências federais como o Ibama, o órgão de aplicação da lei ambiental do Brasil – tudo isso mantendo sua retórica e personalidade belicosas. Ele também encheu seu governo com membros das forças armadas, que ocupam o dobro de cargos que ocupavam no governo anterior.

Seu mandato foi marcado pelos desafios apresentados pela pandemia de Covid-19. Bolsonaro, um dos poucos líderes mundiais que não está vacinado, minimizou a ameaça do vírus e disse que o contágio pode beneficiar os brasileiros, movendo-os para a imunidade de rebanho. Cerca de 685.000 brasileiros morreram da doença, o quarto maior número de mortes no mundo. Ao longo da pandemia, Bolsonaro brigou publicamente com quatro ministros da saúde diferentes e recomendou remédios não comprovados para a doença. O presidente estava especialmente cético em relação às vacinas, que chegaram tarde ao país, embora 80% da população esteja totalmente vacinada em 18 de setembro de 2022.

Até agora, Bolsonaro fez pouco para atualizar sua plataforma para as eleições de 2022. Falando abertamente nas mídias sociais, ele reuniu sua base em torno de questões conservadoras enquanto se concentrava em demonizar duas entidades: Lula e as instituições eleitorais do Brasil.

Bolsonaro marcou seu principal oponente como criminoso e ladrão, destacando o tempo que Lula passou na prisão por corrupção. Bolsonaro também retrata Lula como comunista e afirma que sua eleição levaria o Brasil a seguir os passos da Venezuela.

Apesar da rivalidade com Lula, o presidente recentemente tirou uma página do livro do ex-líder na forma de transferências de dinheiro. Em dezembro de 2021, o programa Auxilio Brasil de Bolsonaro foi aprovado pelo Congresso. Substituindo o programa Bolsa Família de Lula, ele oferece bolsas em dinheiro para famílias pobres. Em agosto, Bolsonaro impulsionou uma medida no Congresso para aumentar os pagamentos aos 18 milhões de beneficiários do programa Auxilio Brasil de cerca de US$ 76 por mês para US$ 114 por mês até o final de 2022. Ele também aprovou medidas para dobrar o valor dos vouchers de gás e para fornecer uma bolsa mensal para taxistas e caminhoneiros. Tanto Lula quanto Bolsonaro prometeram continuar o programa Auxilio Brasil em níveis elevados se eleitos.

Bolsonaro também procurou minar a confiança nas instituições eleitorais. O presidente é um crítico de longa data do sistema eleitoral brasileiro, especialmente do uso do voto eletrônico. O sistema de votação do Brasil é considerado extremamente seguro, como evidenciado por um hack simulado realizado em maio do qual o sistema se defendeu.

Ainda assim, Bolsonaro tomou medidas para tentar corrigir o que ele diz serem falhas no sistema. Em 2021, o presidente promoveu uma reforma que exigiria que as urnas eletrônicas produzissem recibos em papel para que as auditorias pudessem ser realizadas. A medida foi derrotada no Congresso, embora Bolsonaro alegou que os legisladores estavam sendo influenciados e chantageados por membros do sistema judicial. Em julho, ele apresentou suas alegações de vulnerabilidade eleitoral ao corpo diplomático.

Agora, Bolsonaro está focado em promover a visão de que os militares devem estar envolvidos para garantir que a eleição seja transparente e justa. Em 12 de setembro, o tribunal eleitoral do Brasil decidiu que os militares poderiam realizar sua própria contagem de votos nas eleições de outubro.

Mesmo assim, Bolsonaro disse que não aceitará resultados se não acreditar que eles são “auditáveis”, levando a preocupações de que ele contestará a eleição no estilo do ex-presidente dos EUA Donald Trump, que Bolsonaro considera um aliado e modelo. Bolsonaro encorajou seus apoiadores a se reunirem em grandes comícios durante o inverno do país como uma demonstração de apoio e poder, inclusive durante as comemorações do bicentenário do país em setembro.

 

Luiz Inácio Lula da Silva, Partido dos Trabalhadores

Lula, o atual favorito, está em sua sexta campanha presidencial com o compromisso de devolver ao Brasil o espírito de sua presidência anterior, que durou de 2003 a 2010. Nesse período, Lula se tornou um dos líderes mais populares do mundo ao aproveitou a onda de um boom de commodities para financiar programas sociais. Vários desses programas – como o Bolsa Família e o Fome Zero (“Fome Zero”) – usaram transferências de renda e outras ferramentas políticas para ajudar a tirar milhares de brasileiros da extrema pobreza e desnutrição. Lula, um ex-líder sindical, se apresentou como o campeão da classe trabalhadora do Brasil enquanto ajudava o país a alcançar uma posição macroeconômica mais estável. Seu índice de aprovação ao deixar o cargo foi de 83%.

Desde então, algumas das conquistas de Lula foram ofuscadas por escândalos e desestabilização econômica. A validade de muitas das reformas de assinatura foi questionada quando o escândalo do mensalão revelou que membros do PT estavam fazendo pagamentos mensais aos parlamentares para garantir seu apoio à agenda de Lula no Congresso. Então, em 2014, a economia do Brasil se contraiu fortemente, diminuindo alguns dos ganhos sociais obtidos sob sua administração. Durante esse período, a sucessora presidencial escolhida por Lula, Dilma Rousseff, sofreu impeachment em meio ao crescente sentimento anti-PT. Enquanto isso, a enorme investigação de corrupção da Lava Jato prendeu vários altos funcionários do partido.

Como parte da operação Lava Jato, a polícia invadiu a casa de Lula em março de 2016. Após uma audiência em tribunal fechado em maio de 2017 pelo promotor Sergio Moro, Lula foi considerado culpado de aceitar suborno, obstruir a justiça e lavar dinheiro. Em julho de 2017, ele foi condenado a 10 anos de prisão, encerrando sua chance de concorrer à presidência nas eleições de 2018.

Em 2019, o Supremo Tribunal Federal libertou Lula da prisão domiciliar após declarar que ele não havia recebido o devido processo. Enquanto isso, foi revelado que Moro, que na época era ministro da Justiça de Bolsonaro, havia conspirado com promotores na investigação da Lava Jato para orientar seu resultado, enfraquecendo sua credibilidade.

O Lula que concorre em 2022 não é uma cópia carbono daquele que governou o Brasil nos anos 2000. Por um lado, ele alcançou eleitores mais moderados no Brasil, buscando criar uma coalizão de eleitores “Big Tent”. Em um aceno aos eleitores de centro, ele nomeou Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo e vice-campeão nas eleições brasileiras de 2006, como seu companheiro de chapa. Oito outros ex-candidatos presidenciais que já concorreram contra Lula agora o endossaram.

Lula também está perseguindo os poderosos eleitores evangélicos do Brasil, que representam cerca de 30% do eleitorado. Sua retórica neste ciclo de campanha é mais religiosa – dizendo que Bolsonaro estava “possuído pelo diabo” e twittando que estava “manipulando a fé dos eleitores evangélicos”.

Lula pode estar cortejando eleitores em todo o mapa político, mas sua plataforma mantém sua característica inclinação esquerdista e se concentra nos brasileiros mais pobres. Ele discutiu o crescimento de programas sociais, a expansão do financiamento dos bancos públicos para projetos de infraestrutura e a flexibilização permanente do teto de gastos do Brasil.

Ele discutiu a recompra de refinarias de petróleo para reverter a privatização parcial da estatal de energia Petrobras. E ele tem planos de reprimir atividades ilegais na Amazônia, contrastando com Bolsonaro, que foi criticado por permitir o desmatamento intenso durante seu mandato. Durante a presidência de Lula, ele foi criticado por ambientalistas, incluindo sua própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, por não ser forte o suficiente para proteger a maior floresta tropical do mundo. Silva agora endossou Lula, alegando que esta eleição representa uma escolha entre “democracia e barbárie”.

Mas um aspecto do apelo de Lula aos eleitores é simples: ele não é Bolsonaro, cujo índice de aprovação era de 38% em 28 de agosto. No debate de agosto, ele afirmou que Bolsonaro havia arruinado o país.

 

Os candidatos da “terceira via”

Embora constituam os principais candidatos, Bolsonaro e Lula são acompanhados por outros nove candidatos na corrida presidencial. Dois deles – o ex-governador e ministro da Fazenda Ciro Gomes (Partido Trabalhista Brasileiro) e a senadora Simone Tebet (Movimento Democrático Brasileiro) – estão com mais de 10% nas pesquisas agregadas. Ambos esperam fornecer uma “terceira via” – um termo para uma opção alternativa e mais centrista entre Bolsonaro e Lula.

Vários candidatos que pretendiam fornecer essa “terceira via” já saíram da corrida. Isso inclui o ex-ministro da Justiça Moro, que encerrou sua campanha em 31 de março, e o governador de São Paulo João Doria, que desistiu em 23 de maio.

Tanto Gomes quanto Tebet estão oferecendo programas econômicos mais moderados enquanto criticam Lula e Bolsonaro como representantes da política polarizada do Brasil. No debate de 28 de agosto, Tebet denunciou Bolsonaro por sexismo depois que ele assediou verbalmente a moderadora desse debate, a jornalista Vera Magalhães. As mulheres eleitoras, entre as quais Lula tem 17 pontos de vantagem no Datafolha, podem ser decisivas para a eleição.

Nem Gomes nem Tebet fizeram muita diferença nas pesquisas e um aumento no final de setembro parece improvável. Recentemente, membros do próprio partido de Gomes pediram aos apoiadores que abandonassem seu candidato em favor de Lula para garantir a vitória no primeiro turno, o que dificultaria a contestação de Bolsonaro pelos resultados.

No entanto, persiste a questão de quem seus apoiadores podem apoiar em um segundo turno Bolsonaro-Lula. Pesquisas sugerem que Lula tem vantagem com os dois grupos, principalmente com os eleitores de Gomes. Um endosso pode ser crucial em um segundo turno.

 

Corridas congressionais e governamentais

No dia 2 de outubro, os brasileiros também selecionarão 27 dos 81 senadores e todos os 513 membros da Câmara dos Deputados. O Congresso do Brasil é um ator poderoso na política do país – tendo feito o impeachment de Dilma Rousseff e bloqueado grande parte da agenda de Bolsonaro – e sua influência só está crescendo sob o poderoso presidente da Câmara Arthur Lira. Em 2020, os legisladores intensificaram o uso de um mecanismo conhecido como “orçamento secreto”, que permite transferir fundos aos membros para uso discricionário em seu distrito.

O Congresso brasileiro apresenta um grande número de partidos e uma ampla gama de campos ideológicos, devido em parte ao número relativamente baixo de votos necessários para se eleger em grandes distritos multi-membro como São Paulo e Minas Gerais. Assim, o Congresso é mais bem compreendido por meio de várias bancadas de membros. As bancadas, que representam interesses como agronegócios ou eleitores evangélicos, podem e orientam a agenda do Congresso. O Centrão, um grupo centrista liderado pela Lira de cerca de metade dos 513 congressistas, é atualmente a força mais poderosa.

A votação para o grande número de cadeiras no Congresso é desafiadora, e sete em cada 10 brasileiros disseram que ainda não sabiam quem eles planejavam apoiar para deputado federal a partir de 19 de setembro, segundo o DataFolha. Um fator a ter em mente é que o sistema eleitoral do Brasil permite que os cidadãos votem em partidos em vez de candidatos específicos para o Congresso e governador. Isso pode aumentar os ventos a favor de um forte desempenho de um candidato presidencial. Cerca de metade dos eleitores que disseram ao DataFolha que decidiram seu voto de deputado disseram que planejavam eleger um candidato do mesmo partido que seu candidato presidencial preferido.

Devido ao efeito do “orçamento secreto”, é provável que a vantagem do mandato seja mais forte do que o habitual nesta eleição, especialmente para aliados de Bolsonaro e Lira, que receberam o dinheiro mais discricionário. Candidatos a deputados e candidatos a governadores nos 26 estados e distrito federal do Brasil estarão concorrendo nas principais questões relativas ao Brasil. De acordo com o pesquisador Genial/Quaest, a economia é a principal questão na eleição para 39% dos eleitores, de longe a maior fatia. “O que as pessoas estão procurando é alguém que possa realmente consertar a economia”, disse o pesquisador Felipe Nunes no podcast América Latina em Foco. Questões sociais, como fome, pobreza e desigualdade, são as principais questões para 21% dos eleitores. A saúde, incluindo a pandemia (14%) e a corrupção (8%), também são fundamentais para alguns eleitores.

A composição do Congresso será importante para quem vencer, assim como os dirigentes eleitos dos órgãos, como o Presidente da Câmara. O relacionamento deles com o presidente determinará a capacidade do presidente de controlar a agenda do Congresso e o orçamento. Por AS/COA.

Giovanna Stenner

Giovanna Stenner, jornalista brasileira morando na Flórida.